Relato sobre a vida humana

Foi então que num grito estridente, a desgraçada dor o possuiu. Naquela negra e fria sargeta, de escura atmosfera e áspero tacto, com putrefacto odor, jazia insano mas com sanidade suficiente para distinguir a dor da bala enterrada em seu peito e a dor das mordidas doentias e incessantes daquelas diabólicas ratazanas cinzentas.
A morte espezinhava.
Olhava soberana para aquele miserável corpo, tão próximo da decomposição e ainda assim resistente ao seu iminente destino.
Troçava propositadamente.
Sabia que podia libertá-lo mas o gozo que sentia ao ver aquela criatura agonizar era mais forte que o seu objectivo.
Mas, surpreendentemente, uma súbita força, quase divina, toma conta daquele corpo morto. Da sua boca ouve-se um suplicante balbuciar:
- Deus, se existes, livra-me deste fardo...
Fica imóvel.
Seus olhos perdem a alma. Dos seus lábios entreabertos jorra um sangue enegrecido.
Uma tímida lágrima percorre o rosto imaterial do anjo do inferno.