Ficou, então, decidido na reunião de produção do Corpus christi, que a companhia da Actriz seria responsável pelos episódios do Inferno que iriam ser representados neste Ciclo.
Após a decisão da reunião, a Actriz foi logo ao grande e sumptuoso mosteiro encomendar ao monge copista contrabandista, um exemplar da Divina Comédia de Dante. A Actriz pretendia dar uma noção teológica do Inferno aos seus pequenos futuros actores.
Enquanto isso, no burgo, na Guilda dos marceneiros, o rapaz e a rapariga estavam a ter aulas de movimento. A rapariga, que certamente tinha uma poção mágica em seus olhos, conheceu o amigo do rapaz. A pobre da rapariga não fazia de propósito, era uma coisa que estava além da sua humilde percepção, uma coisa que ela não podia controlar... E o amigo, rapaz mediano e com uma estrutura corporal forte, foi enfeitiçado pela rapariga. O amigo, apaixonado, confessou tudo ao rapaz, e o rapaz gostou de ver o amigo apaixonado por uma boa rapariga mas, entretanto, continuou a ser amigo da rapariga, como é natural.
Mais tarde, o amigo estava na praça a estudar São Tomás de Aquino, quando apareceu uma Cobra e disse-lhe que o rapaz estava apaixonado pela rapariga e queria namorá-la mesmo sabendo que o amigo estava apaixonado por ela.
A cólera encheu-lhe o coração.
Sem analisar os factos, foi imediatamente para a sala de armas da Guilda e pegou em Dois Rappiers (espada de esgrima) e foi ter com o rapaz que estava na outra sala a conversar com a rapariga.
Propôs-lhe um combate. O rapaz aceitou. A rapariga estremeceu. O combate começou. O amigo, com dois ataques rápidos (Estoque fundo ao peito, que é defendido com contra de terça, e um reverso coxa com Tour d'epée), fere o rapaz profundamente na coxa. O rapaz, que está ferido, fica com a guarda exposta. O amigo aproveita para dar o golpe final, um estoque a fundo ao peito. A rapariga entra na frente da espada e é atingida no coração. Cai nos braços do rapaz. O rapaz, que não pára de perder sangue, deita ao lado da rapariga.
Profere, então, as seguintes palavras, antes de fechar eternamente os olhos:
- Eu perdôo-te amigo, estavas cego de amor!
O amigo, desesperado e descontrolado, procura uma Adaga e quando a encontra, penetra-a em seu peito, encontrando o ventrículo esquerdo. Cai ao lado dos outros dois. Os sangues se misturam. A paz reina entre os três.
A Actriz, que vem do mosteiro com um excelente exemplar falsificado da Divina Comédia, cheia de vontade de dar-lhes as boas novas, depara-se com esta pintura trágica.
O seu lado irracionalmente racional entrou em acção e ela pensou em voz alta:
- Que pena... (suspiro) Enterremos os mortos e cuidemos dos vivos!
O sol se pôs por detrás dos grandes e floridos vales e a vida continuou, como se nada tivesse acontecido...
5 comentários:
E ainda dizes tu que não sabes pensar. Tótó.
"Enterremos os mortos e cuidemos dos vivos". Hilariante. Bem sabemos porquê... Ai, não te esqueças da voz grave e do leve tique de colocar a boca para o lado.
Gostei da história, sim senhor, gostei.
Oh bolas... tinham de acabar todos mortos!
Gostei muito ^^
NN- Talvez eu é que não domino o conceito Pensar porque não percebo o que tem isso a ver com pensar =/
Sofia - Ainda bem que gostaste e percebeste. O principal era perceber!
Rita - Eu tive que mudar a fábula porque senão o final não teria piada. Por isso terminou tragicamente! Ainda bem que gostaste :P
"Assim como falham as palavras quando querem exprimir qualquer pensamento, assim falham os pensamentos quando querem exprimir qualquer realidade" – Fernando Pessoa
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